sexta-feira, 4 de julho de 2008

Reacções

A entrevista de Manuela Ferreira Leite não deixou ninguém indiferente. Quanto a mim estou-me nas tintas para se «o País não tem dinheiro para nada» ou não, porque me interessam mais os instrumentos de felicidade que o meu país me dá do que propriamente com o dinheiro que o Estado ou os privados têm para estafar em aeroportos, auto-estradas ou barragens em meu benefício. Os isntruemntos de felicidade são uma quantidade de garantias que o Estado me dá para que eu possa ser um cidadão de pleno direito e para que possa envolver-me totalmente na construção, modernização e enriquecimento da minha comunidade. é simples, mas em Portugal as pessoas contentam-se mais em ter peixe em casa do que ir pescá-lo. Manuela Ferreira Leite já fez parte de dois governos e pretende chefiar um. Não tenho nada contra as ambições da Senhora, mas ela não compreende o que significam os intrumentos de felicidade e de que maneira estes poderiam tornar a sociedade mais igual, mais moderna e mais desenvolvida.
Em reacção àquela simples frase que aqui transcrevi, vou destacar artigos do Notícias da Manhã e do Sexta.

Escreve o Notícias da Manhã de dia 3 de Julho [não se António Serzedelo não estará a querer ver coisas onde elas não estão...].

Ferreira Leite «debaixo de fogo»
Vasco Lopes (com Lusa)

Poderia ter sido «apenas» a primeira entrevista televisiva de Manuela Ferreira Leite desde que foi eleita presidente do PSD. Contudo, na entrevista de terça-feira à noite à TVI, conduzida pela jornalista Constança Cunha e Sá, a nova líder «laranja» proferiu algumas declarações bastante mercantes, as quais, por seu turno, geraram críticas bastante acesas.

"Admito que esteja a fazer uma discriminação"
Um dos pontos mais «quentes» da entrevista foi, sem dúvida alguma, aquele em que a ex-ministra das Finanças e da Educação foi questionada a propósito do casamento entre homossexuais, um tema que, aliás, esteve em voga durante a campanha para a presidência do PSD.
Neste particular, as palavras de Ferreira Leite não deixam margem para muitas dúvidas: “Eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais, aceito-as, são opções de cada um, é um problema de liberdade individual sobre o qual não me pronuncio. Pronuncio-me, sim, sobre o tentar atribuir o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de duas pessoas do mesmo sexo igualmente ao estatuto de pessoas de sexo diferente”.
“Admito que esteja a fazer uma discriminação porque é uma situação que não é igual. A sociedade está organizada e tem determinado tipo de privilégios, de regalias e até de medidas fiscais no sentido de promover a família como algo que tem por objectivo a procriação. É uma realidade. Chame-lhe o que quiser, não chame é o mesmo nome. Uma coisa é casamento, outra coisa é qualquer outra coisa”, acrescentou ainda a presidente social-democrata.
"Declarações lamentáveis"
“Com estas palavras, Manuela Ferreira Leite revela um profundo desconhecimento da realidade, já que a grande diferença entre os casais heterosexuais e os casais homossexuais está na ausência de alguns direitos e na discriminação (em especial, na questão das heranças) a que estes últimos estão sujeitos”, afirmou, ao NM, Rita Paulos, da rede ex aequo (associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes).
Adjectivando de “lamentáveis” as palavras da líder do PSD, Rita Paulos defendeu também: “Não se compreende que tenha dito que o casal e a família são apenas para procriar. Se assim fosse, os casais inférteis não poderiam casar-se”. Por outro lado, “Manuela Ferreira Leite esquece-se que, em unidades familiares com pessoas do mesmo sexo, também há crianças, seja através de adopções no estrangeiro, de relações heterossexuais ou até mesmo de inseminação artifical (apesar de estar estar vedada às lésbicas em Portugal)”, frisou, afirmando em seguida: “É exactamente por reconhecer que existem modelos diferentes da família tradicional que, actualmente, o Governo concede apoios às famílias monoparentais”.
“Ela está a querer dizer que as relações homossexuais têm menos valor do que as relações heterossexuais”, criticou ainda a porta-voz da ex aequo, sublinhando que “uma possível candidata a primeira-ministra não deve fazer este tipo de juízos de valor, já que não se pode fazer uma qualificação do amor”. “Esta lógica e tipo de argumentação é típica do pensamento da Igreja Católica sobre o casamento religioso, mesmo que estejamos num Estado láico”, acusou igualmente Rita Paulos.
"Casamento em igualdade"
Também António Serzedelo, presidente da associação Opus Gay, comentou, ao NM, as afirmações de Ferreira Leite, tendo-as considerado como “assentes na doutrina tradicional da Igreja, a qual defende o casal monogâmico e o acto sexual apenas para procriar”. “O casamento não tem que ser apenas procriativo, caso contrário, os casais inférteis não poderiam casar”, acrescentou ainda, frisando que “existe uma diferença entre o matrimónio e o casamento” e que “as pessoas não se casam só para ter filhos, mas porque amam o seu parceiro”.
Nesse sentido, o presidente da Opus Gay foi peremptório em defender: “Queremos um casamento em plano de igualdade com os heterosexuais”. Ainda assim, António Serzedelo consegue ver um ponto positivo na entrevista de Ferreira Leite à TVI: “Apesar de tudo, há um progresso na abordagem da questão, já que, há 10 anos, esta questão nem sequer era falada no PSD. Creio que para isso muito contribuiu o discurso de Passos Coelho durante a campanha para as directas (ndr: no qual o ex-líder da JSP propôs um contrato civil para legitimar legalmente as ligações entre pessoas do mesmo sexo, mesmo sem usar o termo «casamento»)”. “Como tal, já que começa a existir uma certa abertura dentro do PSD, temos que aproveitar isso e discutir este tema com o partido e com todas as forças políticas, de molde a chegarmos a todos os quadrantes da sociedade e da vida política”, disse o presidente da Opus Gay.
Inconstitucionalidade?
Se olharmos para a Constituição da República Portuguesa, designadamente para o artigo 13., encontramos o seguinte texto: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Todavia, na terça-feira à noite, Manuela Ferreira Leite afirmou abertamente: “Admito que esteja a fazer uma discriminação porque é uma situação que não é igual. A sociedade está organizada e tem determinado tipo de privilégios, de regalias e até de medidas fiscais no sentido de promover a família”.
“Ao afirmar isso, Manuela Ferreira Leite está a fazer uma discriminação anti-constitucional”, lamentou António Serzedelo, lembrando que, por norma, “se opta por uma discriminação positva, mas, neste caso, ela propõe uma discriminação negativa”.
Defendendo igualmente que as palavras da presidente do PSD não respeitam o artigo 13. da Constituição, Rita Paulos também frisa que, “quando se fala em situações diferentes, é para fazer uma discriminação positiva, não negativa”.


Hoje, a deputada do Bloco de Esquerda Joana Amaral Dias escreve o seguinte no jornal Sexta:

Manuela Ferreira Leite (MFL) declarou, sem se rir, que a família serve para procriar. Era inevitável ligá-la ao «País de Tanga». Doravante ficará associada ao «País de Parra», qual Portugal de Adões e Evas sob o ditame: «Crescei e multiplicai-vos.»
Se assim fosse, não seriam possíveis os casamentos entre pessoas inférteis, casais que, simplesmente, não querem filhos ou que já não têm idade para procriar. Disparate! Aliás, a lei permite o casamento mesmo quando um está a morrer, ou seja, não visando um projecto, a «comunhão de vida». Quanto mais a procriação.
Acontece que essas afirmações justificaram a sua oposição à equiparação de casamentos e relações de pessoas de sexos diferente às uniões homossexuais. Mas se a sua preocupação fosse a procriação, MFL defenderia a reprodução medicamente assistida para lésbicas, por exemplo. Visto que jamais o aceitaria, conclui-se que o seu objectivo é discriminar os homossexuais porque sim, engrossando a exclusão social de que já são alvo e que, para a líder do PSD, ainda não é a bastante. «Admito que esteja a fazer uma discriminação porque (...) a sociedade (...) tem determinado tipo de regalias e de medidas fiscais no sentido de promover a família», disse.
Negando os benefícios fiscais, das duas uma: ou ignora que a Lei de Uniões de Facto (2001) inclui pessoas do mesmo sexo e concede igual estatuto fiscal a unidos de facto e a cônjuges; ou está contra o que se manteve nos tempos de Durão (Governo que a própria integrou) e de Santana. Se não sabe, devia saber, já que se apresenta como especialista em fiscalidade. Se sabe, vai contra o que os mais conservadores defendem (respeito pelo equidade das uniões de facto), introduzindo um retrocesso assinalável.
A líder do PSD declarou ainda: «Eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais.» Logo, admite que é retrógrada, até certo ponto. Se fosse retrógrada como deve ser, «suficientemente», opor-se-ia e, se calhar, retornaria à criminalização. Aliás, a linguagem é muito importante para MFL. Sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, acrescentou: «Chame-lhe o que quiser, não lhe chame é o mesmo nome. Uma coisa é o casamento, outra é outra coisa qualquer.»
Na sua perspectiva, o casamento entre homossexuais atacaria o bom nome da instituição. Nem vale a pena discutir a sua actual má reputação, obtida sem a contribuição dos homossexuais. As suas palavras lembram séculos bem mais antigos. MFL entende que os gays e lésbicas, à semelhança dos escravos, não são cidadãos como os outros. São novos portugueses de segunda. Fica a sugestão: em vez de «outra coisa qualquer», chame a esse casamento «contubérnio», designação que os arautos dos bons costumes deram ao matrimónio entre escravos.
Há quem considere que estas questões não são prioritárias. Mas chamem-lhe o que quiserem, chamem-lhe nomes, como gosta MFL: discriminação, violação da constituição e de direitos fundamentais, atraso civilizacional. A lista dos países que consagraram o casamento entre pessoas do mesmo sexo já inclui a Noruega, Espanha, Holanda, Bélgica, Canadá, África do Sul e os estados do Massachusetts e da Califórnia (nos EUA). Em Portugal, desde 2004, a Constituição proíbe explicitamente a discriminação com base na orientação sexual, alteração que recebeu os votos favoráveis do PSD.
MFL pode reclamar a procriação para desculpar actos políticos, como fez ao usar a sua condição de mãe de mãe, de avó, para legitimar o seu silêncio durante a greve dos patrões dos camionistas. Pode fazê-lo, embora não se coadune com a imagem de anti-populismo que pretende. Já não pode é desconhecer que nem a família implica procriação nem a procriação implica família, por mais filhos, netos e bisnetos que a própria tenha. MFL pode invocar a sua própria procriação para justificar decisões políticas, embora seja lamentável. Não pode é justificar preconceitos pessoais e violar direitos fundamentais, invocando a procriação alheia e afirmando que aqueles que pretende impedir de procriar não procriam...


Portanto, as pessoas parecem estar suficientemente alertadas para a igualdade. Bem sei que em Portugal as pessoas fingem gostar da igualdade. Na verdade as pessoas precisam da desigualdade, sobretudo social, para se imporem. Precisam de pobres para serem ricos, nem que seja em comparação. É por isso que a ideia de igualdade agonia tanto tanta gente. Não exagero. Falo verdade. Esta crise põe toda a gente assustada porque ficam cada vez mais iguais, embora pobres. Os Portugueses não gostam de comungar na riqueza e incomodam-se em comungar na pobreza. Espero que não se incomodem em construir um país desenvolvido, e ser desenvolvido não é só ter dinheiro (como querem fazer as pessoas acreditar), é principalmente ter direitos, ter liberdade, ter instrumentos de felicidade... e daí também vem a riqueza. Mas adiante...

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Descobri no Felizes Juntos um texto irónico muito bem humorado a propósito desta questão (tão séria, diria eu...). Tomei a liberdade de traduzi-lo (e adaptá-lo um pouco) e ficou assim:

AS DEZ PRINCIPAIS RAZÕES PELAS QUAIS O CASAMENTO GAY É ERRADO

1 - A homossexualidade não é natural. As pessoas a sério rejeitam sempre coisas anti-naturais como óculos, poliéster, fornos microondas ou aparelhos de ar condicionado.

2 - O casamento gay vai encorajar as pessoas a serem gays, da mesma maneira que ao relacionarmo-nos com pessoas altas nos tornamos altos também.

3 - Legalizar o casamento gay abrirá as portas a todo o tipo de comportamentos malucos. As pessoas podem mesmo querer casar-se com os seus animais de estimação porque o cão tem legitimidade legal e pode assinar um contrato de casamento.

4 - O casamento heterossexual tem vigorado durante muito tempo e não mudou muito; as mulheres ainda são propriedade, não é suposto existir casamentos entre pretos e brancos...

5 - O casamento heterossexual terá menos significado se os casamentos homossexuais forem permitidos; a santidade do "casamento de 55 horas só para me divertir" da Britney Spears seria destruída.

6- Os casamentos heterossexuais são válidos somente porque produzem crianças. Os casais homossexuais, os casais inférteis e as pessoas idosas não devem poder casar-se porque as nossas instituições ainda não estão cheias e o Mundo precisa de mais crianças.

7 - Obviamente os pais gay irão criar crianças gay da mesma forma que os pais heterossexuais só criam crianças heterossexuais.

8 - Os casamentos gay não são apoiados pela religião. Numa Teocracia como a nossa, os valores de uma religião são impostos no continente inteiro. É por isso que só há uma religião na Europa.

9 - As crianças não vão crescer de forma saudável sem um modelo amsculino e outro feminino em casa. É por isso que a sociedade proibe expressamente os pais solteiros, viúvos ou divorciados de criarem os seus filhos.

10 - O casamento gay vai mudar as bases da nossa sociedade; jamais nos adaptaremos a novas normas sociais. Tal como não nos adaptámos a carros, a computadores, a telemóveis, a uma economia de mercado ou a uma esperança de vida maior.

2 comentários:

João Roque disse...

Embora me tenha rido com a subtil ironia, é um assunto que os políticos não poderão deixar de ponderar nos seus pressupostos eleitorais, não tanto pela relação directa do perder/ganhar votos da comunidade homossexual, mas porque deles dá uma imagem bastante real da sua postura social.
Zapatero será em Espanha, um bom exemplo do que quero dizer...
Abraço.

G disse...

Sim. Sem dúvida. Até porque direitos homossexuais são direitos humanos, apesar de toda a diferença que tanta gente quer sublinhar... O facto é que nem dentro da (chamemos-lhe assim) comunidade gay há um consenso sobre isto. Muitos gays nem querem ouvir falar em casamento e não se preocupam nada com isso. É pena.