quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ferreira Leite e as uniões homossexuais

Antes de mais, deixem-me fazer referência a duas notícias do Diário de Notícias de ontem - 1 de Julho. A primeira dizia respeito aos projectos da Juventude Socialista no sentido de legislar sobre a gritante discriminação dos homossexuais e transexuais na sociedade portuguesa.

SUSETE FRANCISCO e JOÃO PEDRO HENRIQUES
«A Juventude Socialista (JS) vai a congresso com um único candidato, que aposta nas questões fracturantes. Casamento homossexual, adopção por casais 'gay' ou o reconhecimento da mudança de sexo na lei portuguesa são algumas das reivindicações da Jota socialista.
A JS quer que a lei portuguesa permita aos transexuais a mudança de nome e de sexo no Registo Civil. A proposta consta da moção de Duarte Cordeiro, único candidato a secretário-geral da JS, que se reúne em congresso a 18, 19 e 20 de Julho, no Porto.
No documento, intitulado "Agir por Igualdade", o futuro líder da JS sustenta que o actual quadro legal faz depender a mudança de nome e de sexo no BI a "procedimentos morosos, requisitos excessivamente restritivos, com obrigatória intervenção policial". O que produz "resultados díspares, em função do grau de preparação dos magistrados e da sua sensibilidade para a questão". Omissa do quadro legal português, a mudança de identidade nos documentos oficiais é uma questão que tem ficado ao critério dos tribunais. Duarte Cordeiro defende que a "igualdade e o livre desenvolvimento da personalidade não podem ficar dependentes da ausência de preconceitos do decisor", pelo que deve ser a própria lei a prever com toda a clareza a possibilidade da mudança de sexo no Registo Civil. A moção invoca o exemplo espanhol - "idêntica medida foi aprovada por unanimidade". O candidato a secretário-geral da JS propõe-se "promover a apresentação de um projecto de lei" sobre esta matéria.
A moção aposta nas questões sociais e na promoção da educação , emprego e habitação para os mais jovens, mas também nas questões ditas "fracturantes". Tal como Pedro Nuno Santos, o actual líder da JS que agora deixa o cargo, Duarte Cordeiro defende o casamento homossexual e a possibilidade de adopção por casais gay. Ao DN, o candidato a secretário-geral sublinhou que "se até 2009 não for possível" avançar com esta matéria, isso terá que acontecer na próxima legislatura - "Se não for por iniciativa partidária, há espaço de manobra para alguns deputados avançarem".
[...]Vitalino Canas, porta-voz do PS, diz desconhecer a proposta para uma lei da identidade de género, pelo que o partido não tem por agora posição oficial sobre a matéria. Já quanto ao casamento e adopção por homossexuais, reitera que é uma questão para o pós-2009, estando por definir se vai integrar ou não o programa eleitoral do PS.»


A segunda falava da constituição da chamada Associação da Comunhão Anglicana em protesto contra a aceitação da homossexualidade.

PATRÍCIA VIEGAS
«Três centenas de bispos e arcebispos anglicanos conservadores, que estiveram reunidos em Jerusalém entre os dias 22 e 29 de Junho, anunciaram no domingo à noite que pretendem criar uma Igreja dissidente: a Associação da Confissão Anglicana.
O objectivo, dizem, é regressar à fé ortodoxa e denunciar uma linha liberal que aceita a homossexualidade e o secularismo militante criado pelo declínio espiritual nas economias mais desenvolvidas.
Numa declaração final, ontem citada pelas agências e jornais britânicos, os dissidentes, que representam 35 milhões de fiéis, quase metade dos anglicanos no mundo, negam estar a criar um cisma. Antes preferem afirmar que estão a formar uma "Igreja dentro de uma Igreja".
No entanto, escreveu o Guardian, a verdade é que anunciam uma nova comunhão que será dotada de um clero e de seminários próprios, contestando a autoridade do actual chefe da Igreja anglicana: o arcebispo de Cantuária Rowan Williams.
"Assinala-se a passagem da maior parte dos praticantes anglicanos no mundo a uma realidade pós-colonial, onde o arcebispo de Cantuária é reconhecido pelo seu papel histórico, mas não como o único árbitro da identidade anglicana", lê-se no documento que resultou da Conferência para um Futuro Anglicano Mundial.
Esta vem colocar, assim, em causa o primado de Cantuária, sede histórica do anglicanismo. Apesar de a sede da Associação da Confissão Anglicana (Foca, em inglês) não ter ainda sido anunciada publicamente, o seu líder pode muito bem vir a ser o arcebispo de Sydney, Peter Jensen.
Numa conferência de imprensa, este responsável anglicano disse que "é preciso trazer ordem" e ajudar a lidar com aquilo que diz ser "o caos causado na Igreja anglicana através de actividades revisionistas". O grupo de religiosos dissidentes é composto, sobretudo, por bispos de países do Hemisfério Sul, furiosos com a posição de igrejas como a dos EUA ou do Canadá em relação à homossexualidade e aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
A gota de água para uma dissidência que muitos diziam anunciada foi a ordenação, em 2003, de Gene Robinson, um americano homossexual, como bispo do New Hampshire. Mesmo no próprio Reino Unido, dois bispos anglicanos homossexuais casaram-se, em meados de Junho, na igreja londrina de São Bartolomeu.
Em resposta aos dissidentes, que planeiam boicotar a conferência de Lambeth, na Cantuária, este mês, o arcebispo da Cantuária apelou a uma reflexão sobre os riscos. "Não basta contestar as estruturas existentes da comunhão. O desafio é renová--las em vez de improvisar soluções (...) que criarão mais problemas do que os que resolverão", disse Williams, em comunicado citado pela AFP.»

Ambas não me espantam. A primeira notícia não me espanta porque a JS já mostrou por diversas vezes, e tem continuado a demonstrá-lo, que quer fazer algo para mudar o panorama legislativo em Portugal no que toca às questões da identidade de género e das uniões homossexuais. A par do Bloco de Esquerda, a JS é a organização política que mais visibilidade tem dado a estes temas... infelizmente sem resultados práticos até hoje. Não me espanta nada que Vitalino Canas diga meias-tintas e nem sequer dê certezas sobre se tal vai constar ou não no programa eleitoral do Partido Socialista às eleições de 2009. Resta-nos esperar para ver...

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Mas se no caso do PS há uma hipótese de sair uma resposta no sentido desejado, parece que no caso do PSD podemos tirar o cavalinho da chuva. E eis-nos de novo no Diário de Notícias, mas de hoje - 2 de Julho. O título do cabeçalho nasceu pela boca da própria Senhora, em directo, na TVI. Foram estas as suas palavras:

«Eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais. Portanto, aceito. São opções de cada um. É um problema de liberdade individual sobre o qual não me pronuncio. Pronuncio-me sim sobre o tentar-se atribuir o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de duas pessoas do mesmo sexo igualmente ao estatuto de pessoas de sexo diferente. (...) Admito que esteja a fazer uma discriminação porque é uma situação que não é igual.»

Portanto, a partir de agora ficamos conversados sobre o que pode sair das eleições de 2009. A candidata da chamada «alternativa de governo» é afinal de contas uma Senhora, que na altura terá 68 anos, e que não tem abertura suficiente para reconhecer igualdade de direitos a todos os cidadãos portugueses. Pelo menos podia ser sincera e dizer «não cabe cá nas minhas» porque o facto de aceitar as «ligações» e não as uniões só demonstra que a aceitação da Senhora não é convicta: é só para parecer moderna. Ela não está com meias-tintas: admite que discrimina «porque é uma situação que não é igual». Como é óbvio. Quando um homem e uma mulher se casam é diferente de um homem e outro homem se casarem. Claro! Ela tem toda a razão. Estão abertas de par em par as portas ao retrocesso social neste país! Ora é perfeitamente legítimo que uma mulher ganhe menos que um homem ao desempenhar funções idênticas: não é igual. Com esta frase, Ferreira Leite afundou-se um bocadinho mais no pântano de palavras em que está mergulhada. Atribuir o mesmo estatuto a relações homossexuais e heterossexuais é da mais elementar justiça porque essas relações têm, imagine-se, tudo de igual. Têm dois elementos e um contrato de direitos e deveres que pode ser assinado por ambos, se maiores. Mais simples do que isto é impossível!! O que há de diferente entre a minha relação e a relação dos meus vizinhos? Nada: é exactamente igual. Contudo, o que não é realmente igual - e nisto tenho que tirar o chapéu à Dra. Ferreira Leite - é que eles estão protegidos e eu e o meu namorado não.
O que é diferente é que as pessoas que vivem juntas - ou «em ligações» coisa que a Dra. Ferreira Leite «não é suficientemente retrógrada para ser contra» - não são herdeiras uma da outra; cada uma pode fazer testamento a favor da outra, mas o testamento apenas permitirá especificar o destino de uma parte do património já que há uma quota indisponível destinada a descendentes e ascendentes. Ou seja, se eu esticar o pernil o meu namorado vai partilhar o património que construiu comigo com algum familiar meu mais idiota que resolva lembrar-se que eu existo e comparecer ao meu funeral. As pessoas que vivem juntas não têm regimes legais de comunhão de bens ou de adquiridos. Quando as pessoas vivem juntas
as dívidas são da responsabilidade exclusiva da pessoa que as contrair, mesmo se forem contraídas em benefício do casal: relembro que não há património comum, porque não há casamento, nem cônjuges, nem direitos, nem nada... Isto para não falar sobre a adopção de crianças: se eu quiser adoptar uma criança que esteja encerrada numa instituição é melhor que esteja a viver com uma mulher, porque só as uniões ou casais heterossexuais têm o direito a adoptar.
E se a Dra. Ferreira Leite me viver dizer que não é igual, eu digo-lhe: Não, não é igual, não é nada igual tendo em conta todas estas injustiças. Ainda bem que a Senhora admite que está a discriminar, mas admita que discrimina situações iguais de modo a torná-las desiguais. É fundamentalmente isso que é feito em Portugal: parte-se do argumento completamente descabido de que só um homem e uma mulher podem celebrar um contrato de casamento para infernizar a vida das pessoas. Os homens e mulheres apaixonados podem em Portugal escolher viver juntos ou casar-se. Os homens apaixonados por homens e as mulheres apaixonadas por mulheres são obrigados a viver juntos e obrigados a viver à margem da lei, sim, porque o Código Civil contradiz a Lei Fundamental, que tem escrito no Artigo 36: "Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade." Espero que em breve sejam mesmo todos. Há que esperar um ano? Dois? Os que forem precisos. Eu vou cá estar para ver. E espero do fundo do coração que a Dra. Ferreira Leite também.

3 comentários:

João Roque disse...

M.F. Leite só pode causar surpresa a quem a não conheça; toda a sua personalidade assente no pressuposto da família tradicional e qualquer "apontamentozito" do género daquele "não sou assim tão retrógrada para ser contra a homossexualidade" é apenas para mostrar que é "modernaça"...
Depois queixem-se...
Abraço.

paulo disse...

raios, gostei da tua abordagem, mas já se viu do que a casa gastará no psd. desilusão. novamente. espero também cá estar para ver, aliás, espero ter a paciência para continuar neste território para ver. é que nunca mais. e com pérolas destas, não vamos lá.

TUSB disse...

Tenho de admitir que não estava a espera desse comentário vindo dela, parece que os homosexuais vão continuar a ser cidadãos de segunda categoria em Portugal, e durante muito tempo, com um lider do principal partido da oposição fazendo declarações destas.
Até parece que os homosexuais tem desconto no IRS por não terem o direito a casar, e já agora as mulheres depois da menopausa e os casais estéreis não deveriam poder casa, quando usa a desculpa de que o principal motivo do casamento é a procriação...
Este Sra. se posso sequer chama-la disso, mete nojo.