terça-feira, 18 de março de 2008

Tratado de Lisboa, Polónia e gays

O que têm o Tratado de Lisboa, a Polónia e os gays em comum? Aparentemente nada. Mas o mais recente escândalo na política polaca começa e acaba no Tratado de Lisboa. Como sabem, a Polónia é sobejamente conhecida pela sua elevadíssima percentagem de católicos e por ser um país conservador. O partido PiS (Direito e Justiça), que esteve até Outubro a liderar uma coligação de Direita no governo, lembrou-se agora de pôr limitações à aprovação do Tratado no parlamento polaco (Sejm). O partido no governo PO (Plataforma Cívica) não dispõe de maioria [são necessário dois terços dos deputados para garantir a aprovação por via parlamentar]. Portanto, estão reunidos os ingredientes para mais um pequena discussão na praça pública. Para ajudar à festa, o Presidente da República, irmão gémeo do líder do PiS, resolveu gravar um discurso ao país (transmitido ontem na televisão pública polaca), que a seguir reproduzo.

No discurso, o Presidente Lech Kaczyński realça o seu ponto de vista sobre o Tratado que reformula o funcionamento das instituições europeias. Convém lembrar que ele esteve presente na Cimeira de Chefes de Estado e de Governo e mesmo na Cerimónia de Assinatura do Tratado. Contudo, agora, o Presidente Kaczyński dá um passo atrás e comunica aos seus cidadãos que «a actual ratificação não garante a excepção da Polónia à Carta dos direitos Fundamentais». Assim, o Presidente receia que a Carta abra portas a que os Alemães que viviam no território que hoje é a Polónia antes da Segunda Guerra Mundial possam pedir indemnizações pelos bens perdidos. Porém, há mais ainda. Vou traduzir palavra a palavra o que o Presidente diz:

«Noutro ponto, a Carta, pela ausência de uma definição clara de casamento como relação entre homem e mulher, pode estar a ir contra a moral vigente na Polónia e obrigar o nosso País a permitir uma instituição que é contra a moral da maioria da sociedade polaca. Graças à resistência dos nossos delegados, conseguimos proteger a Polónia destes perigos.»

O Presidente refere-se ao Protocolo Britânico, ou também chamado Protocolo Polaco-Britânico. Enquanto que a Carta dos Direitos Fundamentais garante direitos civis fundamentais, económicos e de bem-estar a todos os cidadãos da UE, este protocolo define excepções para o Reino Unido e a Polónia na aplicação da Carta em certos casos. Ou seja, trata-se de uma válvula de segurança que pode ser accionada em situações muito específicas nas quais a jurisdição local pode ser diferente da jurisdição europeia. Nesses casos, a lei polaca, por exemplo, terá prioridade sobre a lei europeia.
Acontece que a Polónia deixou cair o Protocolo e não está abrangida por ele, ao contrário das intenções do anterior primeiro-ministro, o irmão gémeo do Presidente. Assim, ao aprovar o texto do Tratado, os deputados polacos aprovam também a Carta dos Direitos Fundamentais. Ora, se um dia caísse uma luz celestial em Bruxelas e a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo for declarada uma violação dos direitos humanos, todos o estados-membros da UE, que aprovaram obrigatoriamente o texto do Tratado, seriam obrigados a alterar a sua legislação no sentido de reconhecer legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Todos, à excepção do Reino-Unido que podia accionar o Protocolo, coisa que neste caso jamais faria porque os súbditos de Sua Majestade já têm legislação muito avançada sobre o assunto.
Assim vão as coisas na Polónia, onde o Tratado de Lisboa está "vai-não vai" para ser referendado por via popular (hipótese admitida pelo primeiro-ministro Donald Tusk na falta de um consenso), muito por causa de, imagine-se, Direitos Fundamentais.

O vídeo foi condimentado com uma música de fundo horrível e com imagens das negociações do Tratado, a assinatura do mesmo e até um casamento gay. O casamento que surge no vídeo é o de Brendan Fay, homossexual e activista LGBT norte-americano, que se casou em Toronto (Canadá) com o seu companheiro Tom em 2003. Brendan fez chegar ao consulado da Polónia em Nova Iorque um protesto pelo uso das imagens do seu casamento em semelhante comunicação. Disse estar «enojado pelo facto de o Presidente e o seu partido terem usado as imagens de um momento sagrado» para si e para o seu marido Tom. «É triste», continua, «que os líderes de um país, como o Presidente da Polónia, tentem convencer o povo para não apoiar o Tratado de Lisboa por causa da possibilidade de reconhecer casamentos iguais entre pessoas do mesmo sexo. O Tom e eu somos católicos. Conhecemo-nos na igreja durante uma missa de domingo».


Declarações de Brendan Fay (em inglês)

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